segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Terras Indígenas: Ação Declaratória de Nulidade de Títulos

Terras Indígenas: Ação Declaratória de Nulidade de Títulos - 1
Inf. 521

O Tribunal iniciou julgamento de ação cível originária proposta pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI na qual se pretende a declaração de nulidade de títulos de propriedade de imóveis rurais expedidos pelo Governo do Estado da Bahia sob alegação de se tratar de terras indígenas. Preliminarmente, o Tribunal resolveu questão de ordem, suscitada pelo relator, no sentido de admitir, na lide, na condição de assistente simples da autora, a Comunidade Indígena Pataxó Hã hã hãe, recebendo o processo no estado em que se encontra. Em seguida, o relator rejeitou preliminar de impossibilidade jurídica do pedido sustentada pelos réus em razão de não ter sido individualizado o perímetro de cada propriedade e de não terem sido mencionados os nomes de todos os proprietários envolvidos na lide, que se desbordaria dos limites no âmbito dos quais o CPC circunscreve o chamado "pedido genérico". O relator, no ponto, afirmou tratar-se de ação declaratória, em que se pleiteia a nulidade de títulos de propriedade e registros imobiliários em certa área indígena, não havendo falar-se, portanto, em "pedido genérico". Acrescentou que a FUNAI forneceu documentos que viabilizaram os trabalhos periciais, envidou os esforços necessários à citação pessoal do maior número de réus, e recorreu à citação por edital apenas quando não conseguiu os endereços dos requeridos.
ACO 312/BA, rel. Min. Eros Grau, 24.9.2008. (ACO-312)

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Inf. 521

No mérito, o Min. Eros Grau, relator, julgou procedente o pedido formulado para declarar a nulidade de todos os títulos de propriedade cujas respectivas glebas estejam localizadas dentro da área da Reserva Indígena Caramuru-Catarina-Paraguaçu, e julgou improcedentes as reconvenções apresentadas pelos réus. Salientou, de início, que a questão de ordem suscitada pelo relator que o antecedera fora resolvida no sentido de que a demarcação prévia da área abrangida pelos títulos não seria, em si, indispensável ao ajuizamento da própria ação e de que o Tribunal poderia examinar se a área seria ou não indígena para decidir pela procedência ou não do pedido. Asseverou que, nestes autos, não se discute a legalidade de demarcação de terra indígena, diferentemente do ocorre na Pet 3388/DF (v. Informativo 517). Em seguida, o relator elencou a legislação que deu origem ao reconhecimento dos direitos originários dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam (Alvará de 1º.4.1680; Lei 601/1850 - Lei de Terras de Dom Pedro II; Decreto 1.318/1854; Decreto 8.072/1910; Lei baiana 1.916/26; Decreto 5.484/1928; Lei 6.001/73 - Estatuto do Índio; Constituições de 1891, 1934,1937, 1946, 1967, EC 1/1969, Constituição de 1988), ressaltando que a "ocupação permanente" ou "ocupação tradicional" de terras pelos silvícolas e a inalienabilidade dessas terras são recorrentes nos preceitos referidos.
ACO 312/BA, rel. Min. Eros Grau, 24.9.2008. (ACO-312)

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Após observar que a presente ação foi proposta sob a égide da CF/67, com as alterações da EC 1/69, o relator afirmou que este é o parâmetro a ser usado para julgamento do pedido da FUNAI e da União, e aduziu que o texto do seu art. 198 refere a posse permanente do silvícola ("Art. 198. As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos têrmos que a lei federal determinar, a êles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de tôdas as utilidades nelas existentes. § 1º Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas. § 2º A nulidade e extinção de que trata o parágrafo anterior não dão aos ocupantes direito a qualquer ação ou indenização contra a União e a Fundação Nacional do Índio."). Assim, realçou que a posse indígena sobre a terra, fundada no indigenato, diz com o ius possessionis e o ius possidendi, que abrange a relação material do sujeito com a coisa e o direito de seus titulares a possuírem-na como seu habitat. Ao reportar-se ao laudo antropológico, entendeu que a região em conflito consubstancia habitat do povo Pataxó. Registrou o fato de que historiadores revelaram a existência de Pataxós ocupando a área em litígio desde 1651, concluindo que, embora confirmada a ocorrência de algumas diásporas de índios, bem como o arrendamento de certas áreas da reserva pelo Serviço de Proteção aos Índios - SPI, isso não desconfiguraria a posse permanente e a habitação exigidas pela CF/67, porquanto em nenhum momento restara demonstrada a ausência de silvícolas na área em questão, os quais, obrigados a deixar a terra natal em decorrência das acirradas disputas pela região, mantiveram laços com os familiares que lá permaneceram.
ACO 312/BA, rel. Min. Eros Grau, 24.9.2008. (ACO-312)

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O relator destacou o que contido nas perícias sanitária e agronômica realizadas, quanto à precariedade das águas que abastecem a região e à potencialidade da terra para algumas culturas, e na perícia topográfica, que aviventou os marcos da área indígena sob exame. Neste ponto, mencionou que a Lei baiana 1.916/26 estabeleceu a reserva de 50 léguas em favor dos indígenas, tendo sido celebrado, em 1937, um acordo entre o SPI e o Governo do Estado da Bahia - que resultou na redução de sua extensão aos atuais 54.105,1826 ha, superiores às estimativas da FUNAI na inicial em aproximadamente 36.000 ha -, e ocorrido a conclusão da demarcação da área em 1938. Repeliu, em seqüência, o argumento de que o aumento da área mencionada na inicial implicaria nulidade da perícia procedida. Expôs que a FUNAI, não obstante desconhecesse as exatas dimensões da reserva indígena, juntou aos autos elementos materiais necessários a sua correta medição, efetivada por meio do emprego da mais moderna tecnologia de georeferenciamento. No que se refere aos documentos relativos aos imóveis dos réus, cuja juntada aos autos fora determinada pelo relator anterior, citou títulos de propriedade outorgados pelo Governo do Estado da Bahia entre os anos de 1978 a 1984, nos Municípios de Itajú do Colônia, Pau Brasil e Camacã, assim como outros 32 documentos que consubstanciam a outorga de domínio de terras na região, registros de propriedade em cartórios, e certificados de cadastramento de imóveis rurais no INCRA. Quanto aos últimos, o Min. Eros Grau asseverou que nenhum deles estaria situado na área da reserva, sendo, por isso, irrelevantes. Esclareceu, ademais, que, de posse dos memoriais descritivos dos imóveis, fora determinada a plotagem das glebas no polígono medido, tendo sido revelada a existência, dentro da reserva indígena, de 186 áreas identificadas, das quais 143 tituladas e 43 não tituladas. Além disso, 36 estariam ocupadas, mas não constariam da relação de réus da ação, nem teria sido encontrada qualquer informação a respeito das mesmas. Frisou, também, que alguns estranhos às populações indígenas que se encontravam dentro da reserva foram indenizados pela FUNAI por benfeitorias e deixaram a região.
ACO 312/BA, rel. Min. Eros Grau, 24.9.2008. (ACO-312)

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Em suma, o relator entendeu que a perícia antropológica demonstrou a existência permanente de índios na região desde 1651, atestando a identidade do povo Pataxó Hã hã hãe, bem como a ligação de seus integrantes à terra, que lhes foi usurpada, e que a Lei estadual 1.916/26 e os atos posteriores que reduziram a área da reserva indígena, visando à sua proteção nos termos da política indigenista então vigente, confirmam a existência de uma área ocupada por índios na região dos Rios Pardo, Gongogy e Colônia. Assim, reputou demonstrada a presença de silvícolas na área não apenas quando da edição da Lei de Terras de 1850, mas também quando do advento da CF/67, área incorporada ao patrimônio da União, nos termos do seu art. 198, independentemente de efetiva demarcação, segundo o Estatuto do Índio (Lei 6.001/73, art. 25). Afastou o argumento de que seria necessária, no caso, a prova de que as terras foram de fato transferidas pelo Estado da Bahia à União ou aos índios, ao fundamento de que disputa por terra indígena entre quem quer que seja e índios consubstancia, no Brasil, algo juridicamente impossível, e que, na vigência da CF/67, as terras ocupadas pelos índios são bens da União (art. 4º, IV), sendo assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras que habitam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes (art. 186). Considerou, ainda, a circunstância de que títulos de propriedade oriundos de aquisição a non domino são nulos.
ACO 312/BA, rel. Min. Eros Grau, 24.9.2008. (ACO-312)

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Salientou ter-se o seguinte quadro: os réus integraram a lide, utilizada a citação por edital somente após todos os esforços da FUNAI para sua citação pessoal; a citação por edital surte ou não os efeitos estabelecidos na lei processual quer se afirme ou negue vigência a ela; a admitir-se a vigência do instituto da citação por edital, nenhuma circunstância ou peculiaridade estranha à causa de pedir poderá tornar apenas relativos os seus efeitos; não há falar-se, pois, em "ineficácia da decisão em relação a quem não participou do feito por não ter sido citado ou sequer nomeado". No mais, registrou não haver títulos de domínio, no interior da reserva, anteriores à vigência da CF/67. Outrossim, em uma parte da área objeto da lide há ou havia benfeitorias que foram indenizadas pela FUNAI; outra parte corresponde a terras das quais não há título nenhum, terras de domínio da União; e uma terceira porção sua é de terras em relação às quais, apesar das diligências, ninguém se manifestou alegando titularidade de domínio. Tendo em conta que o pedido diz com a declaração de nulidade de todos os títulos de propriedade da área, asseverou que onde não se alegou a existência de título não haveria como anular qualquer efeito. Por fim, aduziu que, sendo a ação declaratória, com objetivo de restabelecer a integralidade da Reserva Indígena Caramuru-Catarina-Paraguaçu, deveria ser julgada procedente na extensão de todos os seus efeitos declaratórios. Após, pediu vista dos autos o Min. Menezes Direito.
ACO 312/BA, rel. Min. Eros Grau, 24.9.2008. (ACO-312)

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