sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Demarcação de Terras Indígenas: Raposa/Serra do Sol

Demarcação de Terras Indígenas: Raposa/Serra do Sol - 1
Inf. 517

O Tribunal iniciou julgamento de ação popular ajuizada por Senador da República contra a União, em que impugna o modelo contínuo de demarcação da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, situada no Estado de Roraima, e pleiteia a declaração de nulidade da Portaria 534/2005, do Ministro de Estado da Justiça, e do Decreto homologatório de 15.4.2005, do Presidente da República. Sustenta o autor, em síntese, que a Portaria em questão possuiria os mesmos vícios da Portaria 820/98, que a antecedeu, em razão da não observância das normas dos Decretos 22/91 e 1.775/96, haja vista que não teriam sido ouvidas todas as pessoas e entidades afetadas pela controvérsia, e o laudo antropológico sobre a área em discussão teria sido assinado por apenas um profissional, o que seria prova de presumida parcialidade. Alega, também, que a reserva em área contínua traria conseqüências desastrosas tanto para o Estado de Roraima, sob os aspectos comercial, econômico e social, quanto para os interesses do País, por comprometer a segurança e a soberania nacionais. Argumenta, por fim, que haveria desequilíbrio da Federação, já que a área demarcada, ao passar para o domínio da União, suprimiria parte significativa do território roraimense, ofendendo, ademais, o princípio da razoabilidade, ao privilegiar a tutela do índio em detrimento, por exemplo, da iniciativa privada. Preliminarmente, o Tribunal acolheu questão de ordem, suscitada pelo relator, no sentido de admitir o ingresso na lide de pessoas físicas e do Estado de Roraima, na condição de assistentes simples do autor, e da FUNAI - Fundação Nacional do Índio e de diversas comunidades indígenas, na condição de assistentes simples da ré, todos eles recebendo o processo no estado em que se encontra (CPC, art. 50, caput e parágrafo único). O Min. Carlos Britto, relator, não conheceu do pedido do autor de excluir, da área demarcada, núcleo urbano, equipamentos e instalações públicos federais e estaduais, bem como linhas de transmissão de energia elétrica e os leitos das rodovias federais e estaduais, atualmente existentes, tendo em conta tais pretensões já terem sido atendidas.
Pet 3388/RR, rel. Min. Carlos Britto, 27.8.2008. (Pet-3388)

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No mérito, o relator julgou improcedente o pedido formulado, para assentar a condição indígena da área demarcada como Raposa/Serra do Sol, em sua totalidade, pelo que fica revogada a liminar concedida na ação cautelar 2009, devendo-se retirar das terras em causa todos os indivíduos não-índios. Inicialmente, salientou a copiosa e qualificada referência da Constituição Federal de 1988 aos índios brasileiros (artigos 231 e 232), sob o evidente intuito de favorecê-los. Esclareceu que o substantivo "índios" exprime a diferenciação dos nossos aborígenes por numerosas etnias, e que a expressão "ouvidas as comunidades afetadas" (CF, art. 231, § 3º) revela o objetivo constitucional de retratar essa diversidade aborígene intraétnica. Afirmou que os índios são parte essencial da realidade política e cultural brasileira, ou seja, da realidade da nação brasileira. Asseverou, em seguida, que as terras indígenas constituem bens da União (CF, art. 20, XI), e compõem, portanto, o território estatal-brasileiro sobre o qual incide, com exclusividade, o Direito nacional, e não de qualquer outro Estado soberano ou organismo internacional, a não ser mediante convenção ou tratado que tenha por fundamento de validade a Constituição brasileira de 1988. Nesse sentido, classificou as terras indígenas como categoria jurídico-constitucional, e não instituição ou ente federado. Mencionou, ademais, que a atuação dos Estados e Municípios em terras já demarcadas como indígenas deve ser feita em concerto com a União e sob a liderança desta, registrando, no ponto, o processo de discriminação das populações indígenas e de espremedura topográfica por elas sofrida que somente veio a ser rediscutido com seriedade jurídica a partir da Assembléia Constituinte de 1987/1988. Ao reiterar a afirmação de que as terras indígenas não constituem pessoa federada, não possuindo autonomia político-administrativa, o relator, por outro lado, entendeu que, em decorrência disso, as terras indígenas não comportam mesmo a livre circulação de pessoas de qualquer grupamento étnico, assim como não se disponibilizam integralmente para a instalação de equipamentos públicos e obras de infra-estrutura econômica e social, senão sob o regime de prévio acerto com a União e o constante monitoramento desta.
Pet 3388/RR, rel. Min. Carlos Britto, 27.8.2008. (Pet-3388)

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Relativamente à demarcação, o relator aduziu que somente à União compete instaurar, seqüenciar, concluir e efetivar esse processo por atos situados na esfera de atuação do Poder Executivo Federal, sendo deferido ao Congresso Nacional, com efeito concreto ou sem densidade normativa apenas: 1) "autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais" (CF, art. 49, XVI) e b) pronunciar-se, decisoriamente, sobre o ato de "remoção de grupos indígenas de suas terras" (CF, art. 231, § 5º), mostrando-se plenamente válido o art. 19 da Lei Federal 6.001/73 (Estatuto do Índio), validamente regulamentado pelo Decreto 1.775/96. No ponto, salientou, ainda, que nada impede que o Presidente da República venha a consultar, se quiser, o Conselho de Defesa Nacional (CF, art. 91, § 1º, III), especialmente se as terras indígenas a demarcar coincidirem com faixa de fronteira. Realçou que os artigos 231 e 232 da CF são de finalidade nitidamente fraternal ou solidária, própria de uma quadra constitucional que se volta para a efetivação de um novo tipo de igualdade, qual seja, a igualdade civil-moral de minorias que têm experimentado, historicamente e por preconceito, desvantagens comparativas com outros segmentos sociais, e que, portanto, trata-se de uma era constitucional compensatória dessas desvantagens a se viabilizar por mecanismos de ações afirmativas. Afastou, ademais, o alegado antagonismo entre a questão indígena e o desenvolvimento.
Pet 3388/RR, rel. Min. Carlos Britto, 27.8.2008. (Pet-3388)

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Ao se referir ao conteúdo positivo do ato de demarcação das terras indígenas, o relator fixou como marco temporal da ocupação a data da promulgação da vigente Constituição Federal (5.10.88), como insubstituível referencial para o reconhecimento aos índios dos direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam, ressaltando que, com isso, evita-se a fraude da subitânea proliferação de aldeias, com o objetivo de artificializar a expansão dos lindes da demarcação, bem como a violência da expulsão de índios para descaracterizar a tradicionalidade da posse das suas terras, à data da atual Constituição. Observou, contudo, não ser suficiente constatar uma ocupação fundiária coincidente com aquela data, sendo necessário ainda revestir esta ocupação do caráter de perdurabilidade. No ponto, afirmou que o termo "originários", contido no art. 231 da CF, traduz uma situação jurídico-subjetiva mais antiga do que qualquer outra, de forma a preponderar sobre eventuais escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios. Tal termo, continuou, é sinônimo de primevo, porque revelador da primeira de todas as formas de cultura e civilização genuinamente brasileiras, digna de uma qualificação jurídica tão elevada que a Constituição estabeleceu que "os direitos originários" sobre as terras indígenas são reconhecidos e não outorgados ou concedidos. Daí a regra de nulidade e extinção dos atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere esse artigo (§ 6º), prevalecendo o direito por continuidade histórica até mesmo sobre o direito adquirido por título cartorário ou concessão estatal. No que se refere à efetiva abrangência fundiária do advérbio "tradicionalmente" (CF, art. 231), o relator considerou que ele coincide com a própria finalidade prática da demarcação, isto é, as áreas indígenas são demarcadas para servir de habitação permanente dos índios de uma determinada etnia, de par com as terras utilizadas para suas atividades produtivas, mais as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (CF, art. 231, § 1º). Disso decorre, para o relator, o sobredireito ao desfrute das terras que se fizerem necessárias à preservação de todos os recursos naturais de que dependam, especificamente, o bem-estar e a reprodução físico-cultural dos índios, sobredireito que reforça o entendimento de que, em favor da causa indígena, o próprio meio ambiente é normatizado como elemento indutor de concreção.
Pet 3388/RR, rel. Min. Carlos Britto, 27.8.2008. (Pet-3388)

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O Min. Carlos Britto disse, ademais, que o próprio conceito do princípio da proporcionalidade, quando aplicado ao tema da demarcação das terras indígenas ganha um conteúdo irrecusavelmente extensivo, e esclareceu que, se para os padrões culturais dos não-índios, o imprescindível ou o necessário adquire conotação estrita, no sentido de que "somente é dos índios o que lhes for não mais que o suficiente ou contidamente imprescindível à sua sobrevivência física", já sob a perspectiva do que chamou de cosmogonia indígena, há de se dar aos índios tudo o que necessário ou imprescindível para assegurar, contínua e cumulativamente: a) a dignidade das condições de vida material das suas gerações presentes e futuras; b) a reprodução de toda a sua estrutura social primeva. Segundo o relator, essa equação se extrai da locução constitucional "são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam", pela razão de que esse reconhecimento opera como declaração de algo preexistente, inclusive à própria Constituição, e, ainda, à transformação de um Território Federal em Estado-membro. No ponto, mencionou que o § 1º do art. 14 do ADCT bem assinalou que a instalação dos Estados do Amapá e de Roraima ocorreria "com a posse dos governadores eleitos em 1990", para afirmar, que, por conseqüência, o novo Estado já nasce com seu território jungido a esse regime constitucional da preexistência de direitos à ocupação de terras que, por serem indígenas, pertencem à União, não havendo se falar em redução do patrimônio ou subtração do território estadual a cada ato de demarcação. Em relação ao formato da demarcação indígena, entendeu que deve ser contínuo, pois somente ele viabiliza os imperativos constitucionais, que respondem pela vertente fundiariamente generosa do Texto Magno, inclusive para o efeito de incorporar todos os recursos ambientais servientes da reprodução física e cultural de uma dada etnia (art. 231, § 1º).
Pet 3388/RR, rel. Min. Carlos Britto, 27.8.2008. (Pet-3388)

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Ao salientar que, mais que uma simples relação de compatibilidade, o vínculo entre meio ambiente e demarcação de terras indígenas é de ortodoxa pertinência, razão por que o decreto homologatório em questão abrange o Parque Nacional do Monte Roraima, conferindo-lhe uma dupla afetação (ecológica e indígena), e citando o estado de preservação que se encontra o Parque Nacional do Xingu, reserva indígena, o relator reiterou que a generosa vontade constitucional objetiva para com o modelo peculiarmente contínuo da demarcação das terras indígenas. Acrescentou que os índios brasileiros são avessos a qualquer idéia de guetos, cercas, muros e similares, práticas estas apropriadas a uma demarcação insular ou do tipo queijo suíço. Aduziu que esse modelo peculiar ou restritamente contínuo de demarcação é monoétnico, formato que deve atentar para a vontade fundiariamente generosa da Constituição, mas ainda assim balizado pela realidade de cada etnia. Advertiu, entretanto, que se deve excluir da demarcação dessas terras os intervalados espaços fundiários entre uma etnia e outra, para não aproximar demasiadamente tribos eventualmente inimigas nem criar gigantescos vazios demográficos que poderão dificultar a efetiva presença do Estado, com risco à soberania nacional. Para o relator, mesmo nos casos de etnias lindeiras, permanece o modelo peculiarmente contínuo, devendo separar os espaços interétnicos marcos geodésicos e placas sinalizadoras que possibilitem que cada etnia saiba onde começa e onde termina o espaço de trabalho e de vida que por direito originário lhe cabe com exclusividade. Em seguida, anunciou a perfeita compatibilidade entre a apropriação usufrutuária de terras indígenas e faixa de fronteira, tendo em conta, sobretudo, que a Constituição não fez ressalva nenhuma quanto à demarcação abrangente de faixa de fronteira ou nela totalmente situada, deixando expressa a possibilidade de seu uso e ocupação não-estatal, a serem regulados em lei (CF, art. 20, § 2º). Considerou que a concentração indígena é decisiva para a preservação da integridade territorial brasileira, haja vista que os nossos índios sempre se opuseram às tentativas de invasões estrangeiras, e que essa permanente alocação indígena até obriga que as Forças Armadas e a Polícia Federal, no desempenho de suas funções, respectivamente, de defesa da Pátria (CF, art. 142, caput) e de polícia de fronteiras (CF, art. 144, § 1º, III) se façam também permanentemente presentes na região.
Pet 3388/RR, rel. Min. Carlos Britto, 27.8.2008. (Pet-3388)

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No que respeita ao caso concreto, o relator se contrapôs a todas as alegações de nulidade do processo demarcatório, por suposta agressão às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, já que situações jurídicas ativas plenamente exercitadas pelo Estado de Roraima e pelos demais atores processuais. Rememorou que os trabalhos de demarcação da área indígena Raposa/Serra do Sol começaram em 1977, data a partir da qual o tema se tornou público e notório. Em acréscimo a essa publicidade natural, o estudo de 1991/1992 foi sinteticamente publicado no DOU em abril de 1993, tudo nos termos do § 7º do art. 2º do Decreto 22/91 e como decorrência do aforismo do tempus regit actum e do princípio processual da instrumentalidade das formas. Asseverou ter havido tempo mais que suficiente para que todas as partes e demais interessados se habilitassem no procedimento e ofertassem eventuais contraditas, porquanto o primeiro despacho do Ministro da Justiça somente se deu em 1996, excluindo da área a demarcar parte das terras atualmente reivindicadas por arrozeiros, e que nulidade haveria tão-somente se os interessados requeressem e lhes fossem negados pela Administração Federal seus ingressos no feito, o que não ocorreu. Também não vislumbrou qualquer nulidade referente à participação de etnias indígenas da área, pois somente uma delas apresentou-se para contribuir com os trabalhos demarcatórios, tendo as demais atuado nos autos, fornecendo, por cartas e petições, informações, sem subscrever, no entanto, o relatório nem o parecer antropológico. Reputou observada toda a metodologia propriamente antropológica pelos profissionais que detinham competência para fazê-lo, rejeitando qualquer conclusão no sentido da parcialidade do laudo antropológico. Afastou, ainda, a assertiva da existência de uma proliferação artificial de malocas, no curso do processo administrativo, dado que tal expansão, além de não provada como artificial, somente se deu após a feitura do parecer antropológico. Também julgou improcedentes outras apontadas fraudes, como a da suposta utilização de motoristas como se técnicos agrícolas fossem, esclarecendo ter sido demonstrada a ocorrência de mero erro material, posteriormente corrigido. De igual modo, repeliu o argumento de configurar mácula processual ou defeito de forma o aumento da área demarcada (de 1.678.800 ha para 1.747.089 ha), por se cuidar de diferença que os próprios autos sinalizaram como natural. No ponto, esclareceu que o técnico que definiu a primeira "marca" o fez em caráter estimativo, pois até então não comparecera fisicamente ao local e se valera tão-só de instrumentos mecânicos de mensuração, considerada a definição antropológica da área e apenas de posse de mapa cartográfico, mas, num segundo momento, profissional diverso se deslocara pessoalmente até a área a mensurar para se valer de fontes cartográficas mais precisas e tecnologia atualizada.
Pet 3388/RR, rel. Min. Carlos Britto, 27.8.2008. (Pet-3388)

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Em razão do exposto, o relator se convenceu, nos seguintes sintetizados termos, de que: I - toda a área referida pela Portaria nº 534/2005, do Ministro de Estado da Justiça, é constituída de terras indígenas, como conceituado pelo § 1º do art. 231 da CF. Terras indígenas contíguas ou lindeiras, ainda que ocupadas, em grande parte, indistinta ou misturadamente por cinco etnias, por forma tradicional e permanente em face do marco temporal do dia 5.10.88, conforme demonstração convincentemente feita pelo laudo e pelo parecer antropológicos, e em nada descaracterizadas pelo fato das posses ilegítimas que se deram com maior vigor no século XX; II - em que pese a demarcação não observar o vetor monoétnico para a definição dos limites das várias terras indígenas lindeiras que formam toda a área conhecida como Raposa/Serra do Sol, de tal circunstância nenhum prejuízo resultou para os índios das cinco etnias em comento, motivo, aliás, da inexistência da irresignação de membro individual ou órgão representativo de qualquer das comunidades envolvidas, o que se explica: a) pelo fato da intensa e antiga miscigenação entre os seus componentes; b) pela concreta dificuldade de precisa identificação da área de movimentação física de cada uma dessas tribos ou etnias autóctones; III - a extensão da área demarcada é compatível com as coordenadas constitucionais, sobretudo à vista do postulado da proporcionalidade extensiva, sendo de se enfatizar que a demarcação de terras indígenas não se orienta por critérios rigorosamente matemáticos, e que as próprias características geográficas da região contra-indicam uma demarcação avara ou restritiva, pois a reconhecida infertilidade dos solos (causadora da necessidade da prática da coivara e da pecuária extensiva), os períodos de cheias e a acidentada topografia da região já são em si mesmos um contraponto ao generoso querer objetivo da Constituição em matéria de proteção indígena.
Pet 3388/RR, rel. Min. Carlos Britto, 27.8.2008. (Pet-3388)

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E, ainda, que: IV - a desintrusão ou retirada dos não-índios, tão massiva quanto pacificamente, seguida de majoritário reassentamento por parte do governo federal, já sinaliza a irreversibilidade do procedimento. Daí porque o fato da antiguidade de instalação de vilas não autoriza inferir que a Constituição, por haver proibido o garimpo em terras indígenas, optou pela permanência de qualquer dessas povoações; V - são nulas as titulações conferidas pelo INCRA, na Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, assim como inválida é a ocupação da "Fazenda Guanabara". Isso porque: a) a autarquia federal, baseada em estudo de 1979, constante de procedimento demarcatório inconcluso (ausentes portaria declaratória e decreto homologatório), sem qualquer consulta à FUNAI, arrecadou terras da União como se devolutas fossem, alienando-as diretamente a particulares; b) sucede que as terras já eram e permanecem indígenas, sendo provisoriamente excluídas dos estudos de 1979 e de 1985 apenas para superar "dificuldades que teria o Órgão Tutelar em demarcar" tal área (dificuldades consistentes em litígios dos índios frente aos não-índios); c) já a titulação da "Fazenda Guanabara", alegadamente escorada em sentença com trânsito em julgado, proferida em ação discriminatória, também padece de vício insanável. É que a referida ação não cuidou da temática indígena, pois, equivocadamente, partiu do pressuposto de se tratar de terra devoluta. O que se demonstra pelo acórdão do TRF da 1ª Região, transitado em julgado, na ação de manutenção de posse que teve por autor o suposto proprietário privado. Este acórdão expôs o seguinte: "comprovada através de laudo pericial idôneo a posse indígena, é procedente a oposição para reintegrar a União na posse do bem". Pelo que não podem prosperar as determinações do Despacho 80/96, do então Ministro de Estado da Justiça, pois o que somente cabe aos detentores privados dos títulos de propriedade é postular indenização pelas benfeitorias realizadas de boa-fé; VI - os rizicultores privados, que passaram a explorar as terras indígenas somente a partir de 1992, não têm qualquer direito adquirido à respectiva posse, porque as posses antigas, que supostamente lhes serviram de ponto de partida, são, na verdade, o resultado de esbulho, e porque a presença dos arrozeiros subtrai dos índios extensas áreas de solo fértil, imprescindíveis às suas (dos autóctones) atividades produtivas, impede o acesso das comunidades indígenas a rios e degrada os recursos ambientais necessários ao bem-estar de todos eles, nativos da região. Após, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do Min. Menezes Direito.
Pet 3388/RR, rel. Min. Carlos Britto, 27.8.2008. (Pet-3388)

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