segunda-feira, 8 de março de 2010

CPI Estadual e Quebra de Sigilo Fiscal

Inf. 578

O Tribunal iniciou julgamento de ação cível originária, processada segundo o rito do mandado de segurança, ajuizada pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - LAERJ contra ato do Chefe da Superintendência Regional da Receita Federal na 7ª Região Fiscal que, com base no dever do sigilo fiscal, negara pedido de transferência de dados fiscais relativos aos principais investigados em Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI, criada pela autora, destinada a apurar a ação de milícias no referido Estado-membro. Preliminarmente, o Min. Joaquim Barbosa, relator, firmou a competência do Supremo para conhecer do pedido, haja vista que a divergência acerca dos limites da competência de entes federados, perante órgãos de outros entes federados, poderia caracterizar o conflito federativo. Asseverou, no ponto, que a matéria discutida nos autos — poderes de CPI estadual e dever de prestação de informações custodiadas por órgão ou entidade da União — tomaria por parâmetro elementos essenciais ao modelo de pacto federativo adotado pela Constituição.
ACO 1271/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 11.3.2010. (ACO-1271) Audio


Quanto ao mérito, o Min. Joaquim Barbosa, relator, ao conhecer da ação como mandado de segurança, concedeu a ordem, reportando-se à orientação fixada pelo Supremo no julgamento da ACO 730/RJ (DJU de 1º.10.2004). Frisou determinados pontos a fim de reafirmar e reforçar o papel conferido aos Poderes Legislativos dos entes federados no modelo adotado pela Constituição. Observou serem dois os argumentos levantados para conformar a competência das CPIs não-federais: 1) a ausência de previsão expressa da aptidão para requerer informações protegidas pelo sigilo fiscal e 2) o temor de que a dita extensão da competência poderia trazer risco à garantia individual do sigilo, alçada como direito fundamental. Asseverou que, em sua essência, a postulação do Estado-membro diz respeito ao modelo de pacto federativo adotado na CF/88 e à garantia de instrumentos ao Poder Legislativo para exercer sua função precípua e histórica consolidada no curso da evolução da democracia, qual seja, a fiscalização do exercício do Poder. Explicou, no ponto, que o Poder Legislativo não está limitado, pela Constituição, à função de criar normas gerais e abstratas, a ele competindo, também, autorizar despesas e receitas do Estado, fiscalizar a atividade de outras entidades do Poder Público em campos previamente estabelecidos, como as contas prestadas pelo Presidente da República, e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo e os atos do Poder Executivo, incluídos os da Administração Indireta (CF, art. 48, II, IX e X). Acrescentou que mais do que a superada distinção entre as funções do Estado de acordo com a abrangência normativa da respectiva atividade (gerais e abstratas ou individuais e concretas), se evidenciaria a diferenciação funcional em termos de mecanismos de controle recíproco da atividade estatal.
ACO 1271/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 11.3.2010. (ACO-1271) Audio


O relator assinalou que, numa federação, a outorga de competência no campo da fiscalização aos entes federados que não compõem a União seria ínsita ao tipo de equilíbrio do pacto federativo que se tem por emanado da Constituição. Registrou que, mesmo em uma federação tendente à concentração, como é o caso da brasileira, seria imprescindível assegurar acervo mínimo de instrumentos para que cada um dos Poderes, no âmbito do respectivo ente federado e nos limites legais, pudesse exercer com plenitude seu dever de restringir a atividade inadequada, ilegal, inconstitucional que porventura fosse praticada por representante de outro Poder. Considerou que o fato de o art. 58, § 3º, da CF se referir literalmente à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal não restringiria, por si só, o alcance do dispositivo às entidades federais. Afirmou que, por uma questão de simetria, as aptidões essenciais ao exercício da função de controle pelo Legislativo da União deveriam ser adaptadas à realidade dos Estados-membros e do Distrito Federal, respeitados sempre os âmbitos de atuação de cada um, salientando que, salvo momentos pontuais de instabilidade institucional, a União não poderia substituir o Estado-membro na representação da vontade de seus cidadãos e no exercício da competência que a Constituição lhes assegura. Enfatizou que os Estados-membros e o Distrito Federal estariam representados politicamente na formação da vontade nacional, de modo que não se poderia cogitar de qualquer hierarquia entre os entes federados. Citou, ainda, disposição da Constituição do Estado do Rio de Janeiro acerca dos poderes de investigação de comissão parlamentar de inquérito (“Art. 109 - A Assembléia Legislativa terá comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas nos respectivos Regimento ou ato legislativo de sua criação. ... § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos no Regimento Interno da Casa, serão criadas a requerimento de um terço dos membros da Assembléia Legislativa, para apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.”).
ACO 1271/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 11.3.2010. (ACO-1271) Audio

Quanto à questão sobre a pertinência entre o objeto da investigação de interesse do Estado federado e a requisição de informações coligidas por órgão federal, bem como do temor de que a divulgação de tais informações, sem a intermediação judicial, violasse garantia individual, o Min. Joaquim Barbosa assentou que as informações protegidas pelo sigilo fiscal seriam colhidas com as chamadas obrigações acessórias (deveres instrumentais), que registrariam dados da atividade dos sujeitos passivos relevantes à apuração de tributos devidos, constituindo, também, resultado da atividade de fiscalização do próprio Estado, que, com meios próprios, levantaria direta e indiretamente fatos sobre a vida dos contribuintes. Expôs que a proteção destas informações atenderia a duas finalidades: uma voltada à esfera privada, e outra, à esfera pública. Na esfera privada, as informações seriam reservadas para impedir que outras pessoas tivessem acesso a dados que permitissem, direta ou indiretamente, revelar detalhes sobre o patrimônio e as atividades desempenhadas pelo sujeito passivo. Dentre as razões para isso apontou a proteção à privacidade e à intimidade. Consignou que, já no campo público, não haveria cláusula geral e absoluta de proteção da intimidade oponível ao Estado-arrecadador, de modo a legitimar a ocultação de bens e operações como instrumento para a evasão fiscal. A restrição se justificaria em termos funcionais, ou seja, se servissem as informações para auxiliar o Fisco a constituir e cobrar créditos tributários, somente os agentes públicos destacados para tal atividade específica é que deveriam ter acesso aos dados. Nesse sentido, a restrição ajudaria a Administração a lidar melhor com os riscos de vazamento indevido de informações, bem como reduziria o risco de utilização geral indevida dos dados.
ACO 1271/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 11.3.2010. (ACO-1271) Audio

CPI Estadual e Quebra de Sigilo Fiscal - 5

O relator lembrou que o Código Tributário Nacional permite a troca de informações fiscais entre entes federados, nos termos de leis ou convênios (Lei 5.172/66, art. 199), asseverando que, mantida a pertinência entre os dados e a finalidade (fiscalizar, constituir e cobrar créditos tributários), não haveria que se falar propriamente em sigilo intransponível. Após anotar que os dados fiscais também podem ser importantes à elucidação de práticas delituosas que constituam crimes ou ilícitos administrativos, por se referirem ao estado financeiro e econômico das pessoas, concluiu não haver óbice incontornável à utilização das informações inicialmente destinadas à apuração do tributo também para as finalidades de fiscalização do Estado em outras áreas, como a fiscal e a administrativa. Para o relator, assim como haveria dever de colaboração na área tributária, também o haveria nas esferas penal e administrativa, sendo que a informação colhida pelo Fisco federal poderia, legitimamente, ser de interesse do Fisco ou dos Estados federados para elucidar desvios penais ou administrativos que dissessem respeito especificamente ao interesse local. Comentou que, de outro modo, haveria monopólio investigativo do Legislativo federal incompatível com a convivência harmônica juntamente com outros entes federados. Em divergência, o Min. Eros Grau denegou a ordem, afirmando os direitos e garantias individuais como regra, e não como exceção. Ao confirmar posicionamento externado no julgamento da mencionada ACO 730/RJ, realçou ser função do Supremo defender os direitos e garantias individuais, e que não seria necessário que cada um fosse ao Poder Judiciário para exigir afirmação deles. Ressaltou que, se houvesse a necessidade da quebra de sigilo, a CPI local deveria recorrer ao Judiciário, o qual só excepcionalmente haveria de admiti-la. Após, pediu vista dos autos o Min. Dias Toffoli.
ACO 1271/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 11.3.2010. (ACO-1271) Audio

1ª parte Vídeo
2ª parte Vídeo
3ª parte Vídeo

Nenhum comentário:

Obrigado por sua visita!